Uma voz marcante que rompeu barreiras
A cantora e compositora Angela Ro Ro morreu nesta terça-feira (9), no Rio de Janeiro, aos 75 anos, em decorrência de complicações após um procedimento cirúrgico. A artista estava internada desde junho e não resistiu a uma infecção hospitalar. Dona de uma das vozes mais singulares da música brasileira, ela deixou uma trajetória marcada pela irreverência, coragem e intensidade, dentro e fora dos palcos.
Nascida em 1949, no Rio de Janeiro, Angela Maria Diniz Gonçalves adotou o apelido “Ro Ro” ainda na juventude. O nome surgiu como referência à sua voz rouca e grave — um apelido que ela dizia detestar na infância, mas que se transformou em sua marca artística.
“Eu, como autora e como intérprete, eu sempre falo do amor. E das dores e das vitórias do amor”, declarou em uma de suas últimas entrevistas.
Entre o amor e a desilusão
Angela Ro Ro foi uma das raras intérpretes brasileiras que também compunham suas próprias canções. Sua produção musical ganhou destaque já no primeiro álbum, lançado em 1979, que trouxe o clássico Amor meu grande amor, escrito em parceria com Ana Terra. A canção nasceu de uma desilusão amorosa e começou a ser rascunhada quando a cantora tinha apenas 23 anos, durante uma noite de fossa em um bar do Leblon.
A própria Angela, contudo, fazia questão de frisar que a música não era inteiramente autobiográfica. “Até hoje tem gente que esquece que a letra é da Ana Terra e vem me perguntar o que quer dizer ‘a vida do teu filho desde o fim até o começo’. Eu falo: ‘Não sei, pergunta pra Ana Terra’. Música não tem endereço, música tem inspiração”, contou em entrevista ao site Monkeybuzz, em 2021.
Além desse sucesso, Angela assinou composições marcantes como Balada da arrasada e Gota de sangue, consolidando-se como uma das artistas mais autênticas de sua geração.
Influências e primeiros passos
Inspirada por vozes femininas como Maysa e Elis Regina, além de grandes divas do jazz como Ella Fitzgerald, Ro Ro construiu um estilo único, misturando piano com blues, rock, bolero e samba-canção.
No início dos anos 1970, viveu em Londres, onde conciliava subempregos com a música. Foi lá que, por indicação do cineasta Glauber Rocha, participou do icônico disco Transa, de Caetano Veloso, gravado no exílio. Tocou gaita na faixa Nostalgia, experiência que antecedeu sua estreia em carreira solo.
O reconhecimento veio em 1979, com o primeiro disco, considerado pela crítica um dos álbuns mais importantes da MPB daquele período.
Amores intensos e vida pessoal
Homossexual assumida em uma época em que poucos artistas ousavam revelar sua sexualidade, Angela Ro Ro sempre tratou o amor de forma aberta e visceral, dentro e fora dos palcos. Viveu relacionamentos intensos, o mais conhecido deles com a também cantora Zizi Possi, marcado por paixão, conflitos e acusações.
A própria artista costumava brincar que a mulher resolvia os impasses “com o fígado”, enquanto a compositora era mais delicada na hora de transformar a dor em música.
Últimos anos e despedida
Nos últimos anos, Angela enfrentou dificuldades financeiras e problemas de saúde que a afastaram dos palcos. Sua última apresentação aconteceu em maio de 2025, no Rio de Janeiro. Pouco depois, precisou ser internada, mas não resistiu às complicações.
Em um dos momentos simbólicos de sua carreira, em 1980, foi convidada por Angela Maria para dividir o palco em uma homenagem, onde apresentou seu primeiro grande sucesso. A cena ficou marcada como um encontro histórico de duas divas da música brasileira.
Apesar das adversidades, Ro Ro manteve até o fim a postura de artista que não se dobrava a convenções, cantando as dores e alegrias do amor de forma crua, intensa e confessional. Sua voz rouca, seu piano visceral e suas letras honestas permanecem como um legado para a música brasileira.
Angela Ro Ro deixa um repertório que atravessa gerações e uma trajetória que inspira pela coragem de ser fiel a si mesma.